Não é mais no grito que se lidera

Não é mais no grito que se lidera, coaching, competence coaching

SÃO PAULO - A velha máxima “manda quem pode, obedece quem tem juízo” já não pode ser aplicada com precisão para definir o papel do CEO (Chief Executive Officer) brasileiro. Em alguns casos, este ditado popular se aplica muito mais aos conselhos de administração, que estão cada vez mais exigentes e implacáveis, do que ao principal executivo de uma companhia. As atribuições do dirigente estão mais complexas e longe da simples imagem do chefe mandão. Atualmente, quem está no topo da organização não responde apenas aos conselheiros, mas também aos clientes, funcionários, fornecedores, ONGs, sindicatos e à sociedade de forma geral, que, por sua vez, também mudou de perfil. As decisões agora são mais compartilhadas. O CEO está exposto e cada passo seu é publicamente julgado, criticado ou aplaudido, em uma velocidade nunca antes vista.

“A era do CEO Rambo acabou”, diz Herbert Steinberg, sócio da consultoria Mesa Corporate Governance. Se antes o executivo cuidava de tudo sozinho, atualmente divide responsabilidades. O maior acesso aos dados, de modo geral, relativizou o poder do presidente, que não detém mais todas as informações críticas para o negócio. “Não é possível ficar sabendo de tudo”, diz o consultor Robert Wong. Ele precisa, portanto, ser humilde para admitir que depende da cooperação de outros atores do mundo corporativo para conduzir a companhia com sucesso. Para Wong, este talvez seja o grande aprendizado do gestor contemporâneo. “Tento escolher bem quem vai realizar nossos planos. Cresci mais por aprender a fazer as perguntas certas do que por respondê-las”, diz Joesley Batista, diretor-presidente da holding J&F Investimentos, controladora da JBS-Friboi e de mais oito empresas.

Uma mudança importante na última década, que está ajudando a transformar a maneira de administrar dos CEOs, foi a disseminação das boas práticas de governança corporativa e, com elas, a formação de conselhos de administração mais ativos e legalmente responsáveis. “Antes, eles pareciam clubes de amigos onde os donos davam as cartas”, diz a professora Betania Tanure, da PUC Minas. “Há alguns anos, a maioria acumulava a presidência do conselho com a da empresa e era comum o executivo eleger a si mesmo e ainda chamar conhecidos”, observa Harry Schmeltzer, diretor-presidente da WEG, fabricante de máquinas elétricas, equipamentos para automação e energia.

Para André Gerdau Johannpeter, diretor-presidente do grupo Gerdau, a participação dos conselhos agora é muito mais forte nas decisões estratégicas do negócio. “É uma nova parceria com os CEOS”, afirma. O objetivo é ajudar a traçar o rumo para que a empresa alcance um novo patamar. “O conselho está mais direcionado para olhar o futuro”, diz Artur Grynbaum, presidente do grupo Boticário. O acesso mais amplo a informações e a maior transparência exigida nos balanços ajudam os conselheiros a olhar com lupa a operação e a colocar mais pressão no comando.

Não é mais no grito que se lidera, coaching, competence coaching

O aumento da competição no mercado brasileiro e internacional nos últimos anos deixou o relacionamento entre o principal executivo e o conselho mais intenso e pautado pela cobrança por resultados. Os dirigentes, no entanto, estão cientes de que para manter um clima amigável é necessário criar alianças. “Eles precisam conquistar a simpatia por suas propostas”, diz Amy Edmondson, professora de liderança e administração na Harvard Business School. O grande poder do CEO moderno é, justamente, o da influência. “Ele deve ser proativo nessa relação”, diz Betania Tanure. Pesquisa realizada por sua consultoria com 453 presidentes de empresas no Brasil mostra que eles gastam 25% do seu tempo fazendo “costuras políticas” com seus conselhos de administração.

“Os CEOs que duram mais são aqueles que conseguem estreitar seu contato com os conselheiros”, diz Herbert Steinberg, da Mesa. A tolerância à má performance e à falta de alinhamento diminuiu. O período no cargo está mais curto nas companhias no Brasil. Estudo realizado pela consultoria Booz & Company com 2.500 das principais empresas de capital aberto do mundo (116 do Brasil) mostra que o tempo médio de permanência dos comandantes que deixaram o posto em 2012 no país foi de 2,5 anos. No mundo, a média, foi de 4,8 anos. “Os acionistas podem trocá-los por desempenho ruim ou porque não estão indo na direção desejada”, diz Paolo Pigorini, presidente da Booz & Company para a América do Sul.

Steinberg recomenda aos presidentes frequentar comitês específicos no intervalo entre as grandes reuniões de conselho para conversar com os acionistas e criar uma base de apoio. Desta forma, não serão surpreendidos por alguma alteração repentina de rota. O tempo dedicado hoje aos encontros com conselheiros está cada vez mais longo. Hélio Rotenberg, presidente da Positivo Informática e do grupo Positivo, diz que em sua companhia esses eventos podem durar cerca de três horas. Ele conta que antes eles eram bem mais curtos. “Os CEOs agora precisam prestar contas de forma mais aprofundada”, afirma.

O levantamento da consultora Betania Tanure mostra que os dirigentes brasileiros dispõem, em média, de 31 horas por mês para essas reuniões. Quase 70% dos entrevistados acreditam que gastam mais tempo do que deveriam com elas. Já em relação aos comitês, 62% acham que o período dedicado a eles, no geral, é adequado. “Existe uma preocupação muito grande das companhias para que esses encontros sejam produtivos e não apenas simbólicos”, diz José Galló, diretor-presidente da Lojas Renner.

A relação dos CEOs com os conselhos difere se a empresa é de capital fechado ou aberto. Rotenberg, da Positivo, conheceu os dois lados dessa convivência. Após 17 anos, a companhia entrou na bolsa em 2006. “Não havia analistas de mercado, acionistas minoritários e tanta atenção sobre a empresa”, diz. Outra diferença importante é quando o principal acionista ou o fundador faz parte do conselho. Fábio Schvartsman, diretor-geral da Klabin, acredita que em uma companhia com controle familiar como a em que atua é possível estar mais próximo dos conselheiros. “Eles têm um vínculo diferente que transcende os aspectos do dia a dia”, diz. O presidente da Fiat, Cledorvino Belini, diz que os conselhos parecem mais preocupados com a criação de valor e a sustentabilidade do negócio.

Para João Castro Neves, CEO da Ambev, o grande desafio é saber aproveitar a inteligência e o brilhantismo dos conselheiros da melhor forma possível. “Se você é arrogante e acha que sabe tudo, não vai pedir ajuda. Desse jeito, não vai saber usar as pessoas no bom sentido.” A profissionalização das empresas familiares, assim como a entrada de conselheiros independentes com perfis diversificados, oriundos de outros setores, tem ajudado a incrementar os debates no Brasil. “Esse olhar de fora está cada vez mais especializado”, diz Antonio Carlos Valente, presidente do grupo Telefônica Brasil (Vivo). Na opinião de Carlos Fadigas, presidente do grupo Braskem, a capacidade de ouvir e considerar diferentes pontos de vista pode, muitas vezes, ser mais importante que o conhecimento técnico sobre o assunto.

Não é mais no grito que se lidera, coaching, competence coaching

Independentemente da influência dos conselhos, a forma como o próprio CEO enxerga o mercado externo mudou. “O concorrente antes era aquele com quem ele nem falava. Ou, então, formava um cartel ou fazia uma negociação na calada da noite”, diz Betania Tanure. Atualmente, os mercados estão tão interligados que muitas vezes uma empresa concorre com outra em uma área, mas é parceira da mesma companhia em determinado setor ou na fabricação de em produto. “A integração global dos negócios fez mudar a forma de encarar a concorrência”, diz a pesquisadora.

Os observadores do CEO também estão em toda parte. “Ele hoje é uma figura muito mais pública”, diz Paul Danos, reitor da Tuck Business School, escola de negócios da Universidade de Dartmouth. Portanto, uma competência que se torna essencial, segundo ele, além do conhecimento técnico do negócio, é a de comunicador. O impacto do que o líder diz hoje é enorme em razão da superexposição tanto na mídia como nas redes sociais. O outro lado da moeda é que o executivo precisa tomar muito cuidado com o que diz. “O CEO vai ser requisitado para falar em situações críticas. Tudo o que ele disser vai repercutir fora e dentro da companhia”, afirma.

Como a informação circula rápido, o que o CEO diz chega imediatamente ao conhecimento dos funcionários. Com as novas tecnologias, a “rádio peão” ganhou outra dimensão e todos acompanham o que acontece em tempo real. Nesse cenário, os CEOs mais bem-sucedidos se preocupam em fazer a informação circular antes dentro da empresa. “Uma estratégia de mobilização é mostrar o propósito das ações, porque as pessoas querem entender a razão das coisas. Este é um atributo essencial do novo comandante”, diz Betania Tanure. “Uma das obrigações do dirigente é ter contato com a base”, diz José Antonio do Prado Fay, CEO da BRF. “Não acredito em dirigente que não conversa.” O diretor-geral do grupo Sanofi Brasil e vice-presidente sênior para América Latina, Heraldo Marchezini, diz que se o presidente andar somente com outros presidentes, corre o risco de se descolar da realidade.    

Com seu time de executivos, o CEO contemporâneo também tem exercitado mais a liderança participativa, que pode ocorrer em maior ou menor grau e em diferentes níveis da hierarquia. É esse compartilhamento que ajuda a garantir uma execução mais precisa. Murilo Ferreira, presidente da Vale, diz que o processo de decisão em sua companhia segue uma metodologia. “Os assuntos relevantes começam a ser estabelecidos no planejamento estratégico e nas discussões orçamentárias. Eles caminham para cada nível da empresa, de acordo com a senioridade”, diz. Marco Antonio Rossi, presidente da Bradesco Seguros e Previdência, afirma que lá as discussões acontecem, “uma parte na informalidade do dia a dia e outra em comitês”. Na EcoRodovias, o diretor-presidente Marcelino Rafart de Seras também segue um modelo de colegiado.

Na Odebrecht, o presidente Marcelo Odebrecht diz que quando um diretor de contrato em um país, por exemplo, tem uma proposta, ela é avaliada por 16 vice-presidentes responsáveis por áreas de negócios. Depois disso, cabe ao presidente aprovar ou  tentar dissuadi-lo da ideia. “O risco cabe a quem propôs.” João Carlos Brega, presidente da Whirlpool América Latina, acha importante incentivar a autonomia e a tomada de risco. “Sempre vou apoiar a ação”, diz. Na opinião de Fábio Venturelli, presidente do grupo São Martinho, “é estupidez tomar uma decisão sem o envolvimento de quem está na execução”. Para Márcio Utsch, presidente da Alpargatas, o único cuidado no compartilhamento de decisões é para que ele não leve à procrastinação. Michel Levy, presidente da Microsoft, defende essa divisão de responsabilidades. “Problemas complexos requerem sempre decisões coletivas”, diz.

A complexidade está em todos os campos de ação do CEO atual. Desde a forma como a empresa produz, se ela interfere na comunidade, no meio ambiente, na maneira como os trabalhadores atuam (observada pelos sindicatos), os meios de comercialização, a pressão do acionista por resultado e o lobby com o governo. Todas as etapas do processo estão conectadas. “O CEO nunca foi tão demandado para fazer essas conexões”, diz Cláudio Garcia, presidente da consultoria DBM. “Ele tem a obrigação de resolver esses paradoxos”, afirma. Desta maneira, seu papel está muito mais próximo do integrador do que apenas do executor. “O COO [Chefe Executivo de Operações] ganhou força enquanto o CEO fica mais na orquestração dos diferentes stakeholders”, diz Garcia. Wilson Ferreira Junior, presidente da CPFL, promoveu em 2011 uma reestruturação organizacional na companhia. Uma das medidas foi criar o cargo de COO, com o objetivo de delegar a esse executivo algumas de suas funções.

Um dirigente bem preparado sabe que para abrir caminho na organização é preciso ter vários sucessores sendo treinados. “Ele vai buscar um profissional melhor que ele para que o seu legado permaneça”, diz o consultor Robert Wong. A consciência de que todos podem ser trocados é importante. “Faça-se substituível para ser promovido”, afirma. Jack Welch, o lendário CEO da GE, tinha três candidatos para assumir o seu posto quando saísse. Apenas um foi escolhido e os outros dois deixaram a companhia. Faz parte do jogo. Welch fez a sua parte.

 

Fonte: http://www.valor.com.br/carreira/3113812/nao-e-mais-no-grito-que-se-lidera

 

 

 

 

 

 

 

Deixe seus comentários

0
termos e condições.

Comentários

  • Nenhum comentário foi encontrado

DEPOIMENTOS - COMPETENCE COACHING

RECOMENDE

ARTIGOS MAIS LIDOS

NEWSLETTER

Deseja receber nossa newsletter? Inscreva-se aqui:
Nome:
E-mail:

REDES SOCIAIS