Ao discípulo com carinho

 

O grego Sócrates, um dos maiores pensadores de todos os tempos, costumava reunir seus discípulos na ágora, o antigo mercado de Atenas, para discutir as questões da existência. Ele nunca escreveu uma única linha. Seu método resumia-se a propor temas, instigar idéias com perguntas, ouvir o que seus seguidores tinham a dizer, ensinar e, ao mesmo tempo, aprender. O objetivo: desenvolver as pessoas à sua volta. Hoje, mais de 2,4 mil anos após a morte do filósofo, seu método de trabalho -- algo aparentemente elementar -- transformou-se numa das mais requisitadas ferramentas dos executivos de recursos humanos das grandes empresas. Em sua moderna versão corporativa, a técnica socrática ganhou o rótulo de coaching. O termo é inglês, mas tem origem no francês coche, uma espécie de carruagem -- numa referência, portanto, àquele que conduz.

Poucas, porém, são as empresas que conseguem obter resultados concretos das tentativas de transformar os executivos em desenvolvedores de pessoas. Por quê? Basicamente por uma razão: hoje, apesar de tudo o que se fala sobre a importância das pessoas, muitas organizações ainda estão mais preocupadas com processos e controle. A divisão brasileira de iluminação da holandesa Philips, que desenvolve há dois anos um programa de coaching, é um exemplo de organização que conseguiu desviar um pouco a atenção da própria estrutura e voltar os olhos também para o indivíduo. "Antes de desenvolver a empresa, temos de desenvolver nossos líderes", diz Cesar Gomes, gerente-geral de recursos humanos da divisão de iluminação da Philips na América Latina. "Só assim poderemos criar uma estrutura que aprenda consigo mesma e melhorar a competência da liderança."

O que ocorre na Philips é uma exceção. Na maioria dos casos, o coaching é muito discutido na sala dos diretores de recursos humanos, mas não chega a vingar na prática. "É muito comum que o coaching seja visto apenas como mais uma ferramenta de gestão", escreveram Marshall Goldsmith, Laurence Lyons e Alyssa Freas, organizadores do livro Coaching for Leadership -- Greatest Coaches Help Leaders How the World's Learn (Coaching para liderança -- como os melhores treinadores do mundo ajudam os líderes a aprender). "Na verdade, coaching é muito mais que isso."

Um bom programa de coaching é resultado de uma estratégia de negócio centrada em talentos. Para Sócrates, o momento de estar com os discípulos era sagrado. O exercício de aprendizado era diário, sem datas, horários e agendas para cumprir. A vida nas empresas é bem diferente. "É muito difícil convencer um executivo a parar e analisar o desempenho do seu subordinado", diz Liliane Veinert, diretora de recursos humanos do BankBoston. "A alegação é, quase sempre, falta de tempo."

Falta de tempo normalmente é sinônimo de ausência de prioridade e disposição para aprender. Essa disposição deve ser exercitada no dia-a-dia, na parada para o cafezinho e nas reuniões de avaliação. "Fazer coaching é ter a capacidade de perceber o outro, ouvir, diagnosticar as falhas e planejar o crescimento", diz Vicky Block, sócia da subsidiária brasileira da DBM, consultoria especializada em coaching para executivos que registrou um aumento de 80% nas solicitações de empresas, no último ano. "É mostrar ao subordinado como caminha a empresa, para que ele possa dar seus passos." Isso envolve aspectos pessoais, de comportamento e, sobretudo, a visão que cada membro da equipe tem dos negócios e da própria carreira. "Coaching é um método de respeitar as pessoas como indivíduos, não apenas como uma engrenagem da máquina corporativa", diz Laurence Lyons, no livro Coaching for Leadership.

Esse é o foco do trabalho do mineiro José Taboada Estevez, de 42 anos: entender o que se passa na vida dos seus subordinados, dentro e fora da empresa. Há quatro anos, ele assumiu a gerência-geral de uma das agências do BankBoston em São Paulo. Sob seu comando está uma equipe de seis gerentes e dois assistentes. "A diferença entre um gerente e um coach é a mesma que entre um professor e um mestre", diz Estevez. "O professor está preocupado em passar a informação. O mestre procura deixar um ensinamento."

Com tal postura, Estevez tenta identificar as deficiências de seus comandados e saná-las, seja no papo corriqueiro, seja numa reunião mais formal. Foi dessa forma que ele agiu com Elizeth Aparecida Carvalho, promovida, há um ano, de analista para gerente nível 1. "A vaga já existia há mais tempo, mas ela ainda não estava pronta", diz Estevez. "Somente depois de oito meses de aprendizado, conseguiu equilibrar sua vida profissional e pessoal e, então, foi promovida."

O desenvolvimento do subordinado é praticamente a razão de ser do coaching. No entanto, o tutor não pode esquecer que está desenvolvendo pessoas para um melhor funcionamento da empresa. "A pergunta é: por que vou desenvolver meu subordinado?", diz Carlos Faccina, diretor de recursos humanos da Nestlé. "Porque, para o bem da empresa, o meu sucessor deverá estar mais bem preparado do que eu, no futuro."

Mostrar o caminho certo (pensando na empresa e no funcionário) não é tão simples. Cartas e e-mails já foram instrumentos eficazes utilizados por presidentes de grandes companhias na hora de mostrar o rumo aos seus comandados. Ram Charan conta, em seu livro What the CEO Wants You to Know (O que o presidente da sua empresa quer que você saiba), lançado no Brasil pela editora Negócios, que o presidente de uma grande companhia americana, após uma reunião sobre orçamentos, escreveu uma carta ao seu melhor funcionário detalhando a questão. A intenção do chefão era mostrar como seu subordinado poderia agir, focando diretamente o negócio principal da empresa. Com um olho na companhia e outro no talento do profissional, o executivo mostrou o caminho que a organização precisava seguir naquele momento.

Pode parecer estranho, mas bilhetes, cartas ou e-mails são bons instrumentos de coaching -- seja para focar o negócio, explicar melhor um projeto, seja para falar sobre o desempenho do subordinado. "A conversa é o meio mais utilizado", diz Vicky. "Mas o papel também é uma forma de contato. Isso depende da relação que o executivo tem com o funcionário."

Há pouco mais de dois anos, o economista italiano Simone Cioccolani chegou ao Brasil para trabalhar na área de marketing da subsidiária da Unilever. A adaptação não foi fácil. Por causa das diferenças culturais, Cioccolani vinha tendo alguma dificuldade para se integrar à equipe, formada na época por 12 pessoas. A administradora de empresas paulista Andrea Salgueiro, de 34 anos, chefe do departamento de marketing da Unilever, foi então designada coach de Cioccolani. Segundo ela, além de conselheira, teve de se transformar até em analista do italiano nos momentos em que seu pupilo precisava. "Conversava muito com Simone sobre os problemas pessoais, além dos profissionais", diz Andrea. "Eu precisava entender o que ele queria na empresa e ele precisava saber como era a organização no Brasil." Entre uma conversa e outra, Andrea encontrou uma solução que, aparentemente, supria a necessidade da Unilever e condizia com as perspectivas de Cioccolani. Ela criou um novo cargo na Unilever, a gerência de inovação, e o entregou ao colega italiano. "A missão dele passou a ser o desenvolvimento de projetos para o futuro da empresa", diz Andrea. "Um trabalho que, além de se adequar à sua potencialidade, contribuiria com a Unilever."

O que Andrea, hoje tutora dos sete membros da sua equipe, fez foi apenas seguir a principal regra do coaching (veja quadro na página ao lado): manter o funcionário sempre informado sobre o seu desempenho. Isto é, fazer o que costuma ser chamado de feedback. A etapa do retorno é a campeã das causas de aborrecimentos entre os diretores de recursos humanos, responsáveis pela formação dos tutores nas empresas. O tempo, nesse caso, é a desculpa preferida para que os chefes deixem de apontar as deficiências de seus subordinados ou economizem elogios. "A questão do feedback chega a ser um problema cultural do brasileiro", diz Maria Lúcia Ginde, gerente de treinamento e desenvolvimento da Unilever. Uma conseqüência dessa negligência ou resistência dos executivos a uma conversa franca de retorno para os subordinados é a evasão de profissionais promissores. "Já perdemos talentos por falta de um bom feedback", diz Liliane, do BankBoston. O arrependimento, nesse caso, não vai fazer com que os talentos perdidos retornem.

A Alcoa, uma das maiores fabricantes globais de alumínio, também atribui a perda de profissionais à falta de feedback. "A princípio, boa parte dos casos de desligamento da empresa ocorria por problemas de desempenho", diz Cinthia Galetti Bossi, gerente de planejamento da subsidiária brasileira da Alcoa. "Na verdade, muitos funcionários nunca tiveram um retorno do seu trabalho. Suas falhas não foram reveladas e eles não tiveram a chance de acertar."

Sem um diálogo franco, o coach não tem como transmitir seu conhecimento e tampouco fazer o funcionário crescer. "É impossível obter sucesso numa organização se não existe capacidade de relacionamento", diz Vicky, da DBM. "Sem conversar com os funcionários, não há como saber quais são suas ambições na empresa ou entender por que não estão rendendo em determinado trabalho."

Mais uma regra essencial do coaching: não desistir de ensinar. Ainda que o subordinado não seja a pessoa mais brilhante da empresa, é preciso insistir e, principalmente, fugir da tentação do "deixa que eu faço", comum entre os chefes mais nervosinhos. "É melhor calar uma resposta que você tem em dois segundos e deixar seu funcionário responder em duas horas", diz Saionara Barbosa de Assis, gerente de negócios da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte, um dos principais centros de treinamento e aconselhamento de executivos do país.

Em oposição aos chefes que se irritam com funcionários inexperientes e preferem terminar o trabalho sozinhos, há aqueles que são superprotetores e se comportam como um típico pai que não consegue largar a mão do filho e deixá-lo caminhar sozinho. Isso também é um problema. "Quando acontece o paternalismo, o funcionário acaba não evoluindo", diz Walter Lerner, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo especializado em gestão por competências humanas. "Ele sabe que tem alguém por trás para terminar ou refazer o trabalho que não ficou bem-feito."

Apesar de ser uma tarefa árdua, transformar os executivos em mestres é hoje uma das prioridades dos diretores de recursos humanos. Vários são os fatores apontados pelos especialistas para explicar a disseminação dos programas de coaching. O primeiro deles é que houve uma mudança de postura imposta por uma necessidade das organizações: a de formar líderes e sucessores. "Há três anos, as empresas buscavam adotar a prática do coaching porque o conceito estava na moda", diz Saionara. "Hoje, está mais claro que é preciso construir carreiras dentro da empresa. E para isso é preciso treinamento."

A mudança estrutural que afetou uma grande parte do mundo corporativo explica essa necessidade. Num passado recente, havia camadas e mais camadas na pirâmide hierárquica. Atualmente, existem poucos níveis intermediários, e a relação entre chefes e subordinados é mais direta e menos burocrática. "Antigamente, a estrutura das empresas era mais vertical. As deficiências detectadas no meio da pirâmide eram superadas pelos mais experientes, que ocupavam o topo", diz Faccina, da Nestlé. "Hoje, as empresas são mais horizontais. Todos devem estar preparados para solucionar os problemas."

Outra razão que explica a ânsia pelo coaching, segundo Saionara, da Dom Cabral, é a demanda por profissionais que sejam, além de criativos e competentes, perspicazes e interessados. Esse perfil não é conseguido da noite para o dia. "As empresas não encontram profissionais prontos no mercado", diz ela. "É preciso lapidar os talentos e moldar os futuros sucessores -- aqueles que vão levar a empresa no futuro. E isso toma tempo."

Fonte:http://exame.abril.com.br//revista-exame/edicoes/753/noticias/ao-discipulo-com-carinho-m0052116

Deixe seus comentários

0
termos e condições.

Comentários

  • Nenhum comentário foi encontrado

DEPOIMENTOS - COMPETENCE COACHING

RECOMENDE

ARTIGOS MAIS LIDOS

NEWSLETTER

Deseja receber nossa newsletter? Inscreva-se aqui:
Nome:
E-mail:

REDES SOCIAIS