Por que os gestores de hoje precisam ser “paranóicos”

Lars Fæste, líder global em prática de transformação da BCG, defende que, mesmo quando uma empresa não passapor dificuldades, tem de pensar em formas de se reinventar

DE ACORDO COM LARS FÆSTE, DA BCG, AS EMPRESAS FORTES "SÃO AQUELAS QUE ESTÃO SEMPRE DE OLHO NAS MUDANÇAS A CAMINHO" (FOTO: DIVULGAÇÃO)

No vocabulário de muita gente, a palavra “paranóico” não aparece entre os adjetivos mais elogiosos. Para Lars Fæste, é diferente. Líder global em prática de transformação da consultoria BCG, o executivo dinamarquês defende que gestores e empresas têm de ser paranóicos. Isso significa estar em alerta constante para tudo que possa mudar de alguma maneira o setor em que atuam. E não só em tempos de crises. Segundo Fæste, mesmo quando uma companhia não passa por dificuldades, precisa pensar em formas de se reinventar. Ou seja, você deve mexer até em time que está ganhando. “Ficar apenas seguindo o fluxo não é mais uma alternativa”, afirma

Faest começou a trabalhar na BCG em 1998 e, desde então, sua tarefa virou garantir que mudanças em larga escala dentro de empresas, como fusões e aquisições, sejam bem-sucedidas. Ele estará no Brasil em maio para dar uma palestra no HSM Summit 2017. Aqui, em entrevista à Época NEGÓCIOS, discute a receita para grandes transformações darem certo e o que líderes no mundo todo — especialmente em mercados em desenvolvimento — podem aprender com os países nórdicos.

 

Você costuma dizer que se deve mexer, sim, em time que está vencendo. Muitos podem considerar meio contraintuitivo pensar assim. Mas por que defende essa ideia?

Rastreamos na BCG a velocidade das mudanças e disrupções que acontecem no mundo, além da velocidade com a qual empresas fracassam. O que temos percebido é que um terço das companhias existentes hoje não estarão mais por aqui em cinco anos — seja por falência, fusões e aquisições, entre outras razões. Há 50 anos, esse número era diferente: uma em cada 20 empresas morreria. Isso mostra que a velocidade das mudanças atualmente é muito maior. E vou dizer: as companhias para as quais trabalhamos e que estão dispostas a se transformarem e repensarem a maneira como fazem negócios, mesmo quando está tudo bem, essas são companhias as mais fortes. Empresas fortes são aquelas que estão sempre de olho nas mudanças a caminho. Os tempos de fazer uma só transformação ou ficar apenas seguindo o fluxo não são mais uma alternativa.

 

A que atribuiria o fato de mais empresas morrerem nos dias de hoje, como você mencionou?

Em primeiro lugar, às grandes mudanças no ecossistema - no comércio exterior, em mercados que fecham e abrem. Aqui na Europa, por exemplo, estamos sentindo fortemente as sanções à Rússia. Várias empresas costumavam ter um comércio bastante positivo com a Rússia e fazer muito dinheiro, mas de repente não podem mais. No Brasil, vocês tiveram os problemas com o preço do petróleo. Essas coisas são voláteis, podem mudar muito rápido. Além disso, há companhias que têm perdido por ter modelos de negócios antigos ou antiquados. A lista é enorme. Eu diria que, há 10 anos, menos empresas estavam em um ambiente tão instável. Por exemplo, as empresas de bens de consumo são relativamente estáveis. Mas você pode ver a lista de companhias que foram chacoalhadas: varejistas, serviços de utilidade pública, empresas de petróleo, correios. São poucas as empresas que têm estabilidade hoje.

 

Mas no caso de uma empresa onde tudo vai bem, como um líder descobre o que precisa ser mudado?

Muitas coisas podem precisar de mudança. Em geral, eu diria que diversos setores têm focado em “sobreviver” nos últimos anos. Sobreviver às transformações, sobreviver ao mercado e à economia. Como resultado, criaram empresas que vão muito bem de forma geral. Mas a questão que ainda resta para todas é de onde surgirá o próximo grande crescimento — isto é, de onde virá o próximo grande desenvolvimento da empresa? Pelo menos na Europa — onde eu trabalho muito —, depois da crise de 2008, muitos líderes estavam focados no imediato. Agora, estão olhando mais longe: startups, concorrentes digitais, empresas que usam dados para intermediar relações com os consumidores. Questionam o que pode ser uma ameaça. Estão tentando pensar não só em um trimestre, dois trimestres ou dois anos, mas realmente em como o modelo de negócios pode evoluir para uma posição mais competitiva no longo prazo.

 

Você apontaria algo específico em que líderes têm de prestar atenção?

Estou escrevendo um paper agora com um grupo de pessoas sobre a transformação promovida por dados. Em 2006, na lista das empresas com o maior valor de mercado havia somente uma de tecnologia — a Microsoft. No final de 2011, havia quatro: Apple, Microsoft, IBM e China Mobile. Já no final do ano passado, todos as cinco primeiras empresas mais bem avaliadas tinham algo a ver com tecnologia: Apple, Alphabet (ou Google), Microsoft, Amazon e Facebook. Mesmo empresas tradicionais em setores tradicionais estão de olho no que o uso de dados poderia fazer com seus negócios. É um bom exemplo do que você pode fazer. Mas eu também mencionaria as mudanças macroeconômicas, como o que deve acontecer com o comércio exterior dos Estados Unidos, que certamente terá impacto em muitos países. Portanto, existem coisas que você precisa avaliar constantemente.

 

Em um TED Talk de julho do ano passado, você diz que líderes deveriam ser mais paranóicos. O que isso significa?

Acredito que as equipes mais fortes são aquelas que se questionam o tempo todo, mesmo quando sabem que são as mais fortes. Procuram mudanças, oportunidades, riscos. E tomam ações. Também acredito que as melhores equipes são aquelas capazes de acelerar e frear ao mesmo tempo. Olhe para uma empresa, tem sempre uma área que está com problemas — há sempre negócios que você precisa reduzir, reestruturações que precisam ser feitas, medidas rápidas que precisam ser tomadas. Por sua vez, tem um outro lado dos negócios que precisa ser acelerado ao máximo — para desenvolver novas estratégias, tentar coisas novas, falhar rápido. Líderes de hoje precisam ser paranóicos mesmo quando são os mais fortes. Precisam balancear o acelerador e o freio ao mesmo tempo, o que é difícil. A velocidade das coisas é tamanha que agora você não pode mais trabalhar sequencialmente. Antes, era muito típico que você resolvesse um problema e depois atacasse outro. Agora, você vê empresas tendo de tocar diversas frentes ao mesmo tempo.

 

"Líderes precisam ser paranóicos mesmo quando são os mais fortes. Precisam balancear o acelerador e o freio ao mesmo tempo”

 

Baseando-se na sua experiência, líderes e empresas estão paranóicos o suficiente?

Bem, ainda existem líderes preguiçosos por aí, sobretudo em mercados mais protegidos, estáveis e que fazem bastante dinheiro. Mas eu diria que a maioria dos gestores está acordando. Você tem de ser muito alienado se ainda não viu o que está ocorrendo em torno da utilização de dados e o que poderia acontecer com os seus negócios. Muitas empresas ainda não começaram a agir. Em geral, muitos gestores, quando viram CEOs ou diretores, fazem alguma coisa que dá resultado e, depois, é como se perdessem a ambição de continuar mudando. Tem um cliente meu, o CEO de uma empresa de logística, que está sempre promovendo novas grandes transformações a cada um ou dois anos. Ele diz que é a natureza do negócio. Se você olha para o nosso trabalho com transformações, muitas transformações acontecem com novos CEOs. É importante continuar se reinventando e virando as coisas de ponta cabeça, mesmo quando você já está há anos no cargo.

 

Qual é o primeiro passo para promover uma transformação?

Desenvolvemos cinco etapas simples que aumentam sua chance de ser bem-sucedido. A primeira é se certificar que o time de líderes da companhia entende de verdade qual é a situação. Portanto, fazer uma avaliação honesta. E além disso, engajar os líderes, para que não sejam hesitantes em relação à mudança. Dependendo do tamanho da organização, às vezes são 200, 500 pessoas que precisarão ser engajadas. O segundo passo é simplificar os objetivos para deixar claro quais são as prioridades da empresa. Muitas vezes nos deparamos com uma situação em que há centenas de projetos acontecendo juntos, ou inúmeras camadas hierárquicas que tornam difícil saber quem é responsável pelo quê. Número três: pensar nos talentos que você precisará para colocar essa mudança específica em prática. O quarto item é trabalhar com o departamento de recursos humanos para que ele o ajude a implementar as mudanças. E o último ponto é rastrear regularmente não só os resultados, mas também as atividades dos times. Quando você faz essas cinco coisas em uma transformação, aumenta as chances de sucesso.

 

"A velocidade das coisas é tamanha que agora você não pode mais trabalhar sequencialmente”

 

Vamos considerar agora especificamente os países emergentes. O que deveria incentivar transformações nesses mercados?

Acredito que líderes em mercados emergentes são tipicamente mais agressivos em termos de crescimento. E há várias oportunidades de transformação em mercados emergentes, se compararmos com a parte ocidental da Europa e os EUA. Ao mesmo tempo, vejo que líderes nesses mercados, embora eu não saiba como são exatamente no Brasil, estão pouco dispostos a fazer mudanças fundamentais em termos de produtividade e custo. Eles deixam para trás algumas coisas e focam mais em como podem duplicar ou triplicar aquele negócio. Mas outros aspectos também são importantes.

Países nórdicos sempre aparecem no topo das listas de melhores lugares para trabalhar e lugares para fazer negócios. Você mora em Copenhague e também já liderou o braço do BCG em países nórdicos. O que líderes ao redor do mundo, especialmente em mercados emergentes, poderiam aprender com esses países?

Temos problemas também (risos). Talvez eles pareçam menores. Mas estou vendo agora da minha janela umas 20 turbinas de energia eólica no oceano, porque temos energia limpa. Mais de 50% da nossa energia na Dinamarca vem do vento. Então, sim, chegamos longe em muitos sentidos. Acho que o que há de especial nos países nórdicos é, em primeiro lugar, a confiança. Há confiança entre as pessoas. E a corrupção praticamente inexiste. Além disso, as pessoas são bem diretas e dizem sua opinião. Isso significa que a velocidade de pensamentos e de tomadas de decisão são bem altas. Eu também diria que o governo, independentemente de quem esteja nele, está fazendo a coisa certa e seguindo em frente de um jeito lógico e estável. As pessoas estão se movimentando talvez um pouco mais em direção ao bem coletivo.

 

Fonte   http://epocanegocios.globo.com/Carreira/noticia/2017/04/por-que-os-gestores-de-hoje-precisam-ser-paranoicos.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=post

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